DOS MURAIS AO PATCHWORK

Foto: Gabriel Valadão

Bianca é artista muralista e vive uma São Paulo cosmopolita, mas também com muita história e afeto; veja sua entrevista:

 

“Eu comecei a fazer pinturas de mulheres e a trazer histórias de famílias, tentando fazer um resgate de memórias e uma representação de uma mulher com força e sabedoria. E passei a me fortalecer também nesse processo”.

A fala da artista Bianca Foratori reflete a trajetória de seu trabalho que hoje estampa grandes murais na capital paulista, e que também ilustra outros cantos do mundo, como Paris. Inspirada pela inventividade e sociabilidade das mulheres, é nas técnicas artesanais como as que aprendeu costurando com a avó na adolescência que ela se alimenta criativamente. 

O resultado são telas e laterais de prédios, as chamadas empenas, ilustradas por figuras cheias de afeto, potência e subjetividade que por vezes contrastam com a paisagem dura da capital. Um respiro e um convite à reflexão: o que é força, afinal? 

Criada no interior e formada em Moda, Bianca gosta de viver uma São Paulo cosmopolita, urbana e ao mesmo tempo aconchegante, com jeitinho de bairro, o que combina com a mistura de técnicas que ela utiliza em sua arte, do rolinho de tinta ao patchwork. No seu roteiro para ver arte urbana, mesclam-se murais na Bela Vista e Santa Cecília a feira de antiguidades, cantina familiar e construções históricas escondidas na cidade. Uma mistura boa.

 

Empena da artista, localizada no cruzamento entre as avenidas 13 de Maio e Brigadeiro Luís Antônio

Bianca, como foi seu processo com a pintura, desde descobrir as técnicas que mais combinavam com você até seus temas, aquilo que queria transmitir?

Sempre passei muito tempo desenhando. Também experimentei um pouco de pintura quando criança, mas isso ficou meio adormecido porque acabei me formando em Moda, depois fui tatuar. Até que eu senti que aquelas linguagens já não davam conta de expressar o que eu queria colocar pra fora. Voltei a pintar como hobby, e aí eu me encontrei muito. 

Desde o primeiro quadro, em 2018, eu queria trazer uma representação das mulheres que eu achasse digna, positiva. Na pandemia eu comecei a produzir e a pensar mais criticamente sobre o que eu estava trazendo. E acho que até mesmo pelo confinamento, comecei a me questionar sobre a associação entre o doméstico e o feminino. Isso se desdobra até chegar nessa pesquisa que tenho desenvolvido sobre as narrativas femininas que foram marginalizadas e tiveram que encontrar formas alternativas para sobreviverem. Mulheres desestimuladas ou impedidas de desenvolver os seus potenciais para cuidar da casa, mesmo as que trabalham fora, mas a existência simbólica delas se resume ao doméstico. Como elas encontraram saídas para subverter essa opressão e expressar suas subjetividades? 

Você é do interior e hoje mora em São Paulo. Como a cidade te inspira?

Sou nascida e criada em Jundiaí, interior de São Paulo, e moro na capital há alguns anos. Onde eu cresci é um lugar com uma vida mais pacata e eu tinha uma mente muito agitada. Eu sentia que em São Paulo tinha mais estímulo nesse sentido artístico pra mim. Então acho que até hoje o que me inspira na cidade é essa característica cosmopolita, de reunir várias culturas, várias manifestações artísticas e pessoas de toda parte do mundo e do Brasil.

São Paulo costuma ser vista como “selva de pedra”, mas suas pinturas trazem histórias muito humanas. A arte urbana ajuda a mudar nosso olhar para a cidade? 

São Paulo é uma cidade com uma visualidade muito dura, essa estética dos prédios, do trânsito, e isso acaba impactando até nossa saúde mental. Então eu acho que a arte urbana pode ajudar no bem estar, porque a gente precisa da beleza. E a gente também leva uma rotina corrida e acaba entrando nessa dinâmica meio anestesiada, e acho que a arte urbana também colabora nesse despertar. Às vezes você está distraído e ela faz você ter um ponto de atenção para aquela mensagem, tendo uma reflexão, uma emoção diferente.

 

Qual seu roteiro de um dia contemplando arte urbana em São Paulo, incluindo algumas paradas em locais legais para comer, beber ou ver mais arte?

Eu sugiro um roteiro no Bixiga, onde moro, bairro com muita importância histórica e cultural. 

Onde ver arte urbana: indico três empenas na rua 13 de Maio, começando pela minha, que fala sobre o feminino, o doméstico, com o retrato de uma mulher à frente do desenho de um bordado. Ao lado tem a empena da Luna Bastos, artista nordestina que fez esse mural abordando questões de migração e da identidade dela. E é interessante porque o Bixiga é formado por três grupos, principalmente: um de origem do Quilombo do Saracura, o da imigração italiana e o da migração nordestina. Descendo pela rua 13 de Maio, no fim você tem a empena do Diego Mouro que fala sobre a história negra. Para quem quiser ver mais arte urbana indico ir ao Minhocão, parada obrigatória, onde tem aquele museu a céu aberto. 

Para compras: o bordado que inspira a pintura que citei acima, do meu mural na rua 13 de Maio, foi comprado na Feira de Antiguidades do Bixiga que acontece aos domingos na praça Dom Orione, e ali você encontra decoração, roupas, peças de arte. 

Para comer: em Agosto, todos os fins de semana tem a festa de Nossa Senhora da Achiropita, uma festa de rua de comida italiana. Quem vier outros dias pode comer na cantina Mamma Celeste, super pequenininha e super boa. 

Para ver arquitetura: tem a Casa de Dona Yayá que hoje pertence ao Centro de Preservação Cultural da USP. É um casarão do século 19, a Dona Yayá era herdeira de uma fortuna e foi tutelada pelo fato de ser mulher, depois diagnosticada com transtornos psiquiátricos e confinada na casa. É uma história triste, mas é um lugar interessante de se visitar, e um espaço agradável, arborizado. 

Para ver shows: indico a Vila Itororó, uma vila antiga que foi restaurada recentemente e tem também construções históricas. Tem ainda o Al Janiah, um bar e espaço cultural palestino.

 

“São Paulo é uma cidade com uma visualidade muito dura, essa estética dos prédios, do trânsito, e isso acaba impactando até nossa saúde mental. Então eu acho que a arte urbana pode ajudar no bem estar, porque a gente precisa da beleza. ”

 

Empena da artista Luna Bastos, também localizada no Bixiga


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